quinta-feira, 12 de julho de 2012


Manhãs adiadas

Eltânia André estreou com Meu nome agora é Jaque, em 2007. Este é seu segundo volume de histórias curtas. As abas estão preenchidas com apontamentos de Menalton Braff, que destaca “o leque de conhecimentos (do ser humano e do mundo) que a autora aborda com desenvoltura”, além da “riqueza de técnicas narrativas, as inovações, a diversidade de temas”, mostradas ao longo das composições.

Embora costume ler coleções de contos e poemas de trás para frente ou sem atentar para a ordem estabelecida pelo autor, desta vez me comportei como leitor ordeiro e comecei do começo. Quando li “Parábola de Olgamaria”, senti um calafrio de estupor: “Começo do dia. Há sombras, escuridão do olhar que navega com o capuz, tortura a alma e marca o tempo”. Remeti-me a Cornélio Pena, Adauto Cardoso, Autran Dourado. E também a algumas mulheres: Virginia Woolf, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Teles. Vale a pena conhecer/ler pessoas/escritores desse porte, desse nível, dessa estatura.

Como constata Menalton, a contista de Cataguases (terra fértil em artistas da palavra, do pincel, da câmera... de que mais?) é exímia no arranjo da prosa poética (somente poetas conseguem escrever boa ficção). Quando se aproxima da crônica (o farfalhar de saias na rua, as pernas que andam e desandam), quando se aproxima mais da “realidade empírica”, Eltânia André vai além do trivial literário.

Fortaleza, 7 de julho de 2012.

Nilto Maciel



http://literaturasemfronteiras.blogspot.com.br/2012/07/da-leitura-de-netto-bicuco-e-eltania.html

sexta-feira, 23 de setembro de 2011






Os poemas de Ronaldo Cagiano cobrem um amplo espectro de temas e formas, que vão do sentimento amoroso à reflexão indignada com os desmazelos do tempo presente.

Desde o mito de Sísifo reatualizado na marcha noturna de pesadelos ao noticiário sensacionalista que explora os dramas humanos como espetáculo, a poesia ainda parece resistir como um discurso às avessas, no contrapelo do embrutecimento paulatino, diário, a que todos estamos submetidos.
As feridas na consciência sempre acesa do poeta permanecem abertas e expostas ao calor da hora, num ”território labiríntico, onde a morte,/ concubina do tempo,/ como um Minotauro reciclado desafiando Dédalo,/ resiste aos fios que uma Ariadne qualquer/ em vão estica”.
O sentimento de impermanência e de precariedade ronda a poesia e exige do poeta uma tomada de posição, no sentido de enfrentamento das verdades provisórias, do ”cipoal de engodo político” e do ”aparato ruidoso do medo”, ou da ”linguagem impenetrável dos exílios”. Não há engajamento com a linguagem literária que não seja também o engajar-se com as questões que se debatem no mundo e que estão longe de serem resolvidas por cálculos e estatísticas.


Sobre o autor:
Ronaldo Cagiano nasceu em Cataguases (MG), viveu em Brasília, onde formou-se em Direito e reside em São Paulo. Colabora em diversos jornais e revistas, publicando artigos e resenhas. Publicou: Palavra engajada (Poesia, SP, 1989), Colheita amarga & outras angústias (poesia, SP, 1990), Exílio (poesia, SP, 1990), Palavracesa (poesia, Brasília, 1994), O prazer da leitura, em parceria com Jacinto Guerra (contos juvenis, Brasília, 1997), Prismas – literatura e outros temas (crítica literária, Brasília, 1997). Canção dentro da noite (poesia, Brasília, 1999), Espelho, espelho meu (infanto-juvenil, em parceria com Joilson Portocalvo,  Brasília, 2000), Dezembro indigesto (contos, Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária da Secretaria de Cultura do Distrito Federal 2001), Concerto para arranha-céus (contos, LGE Editora, DF, 2005) e Dicionário de pequenas solidões (contos, Língua Geral, Rio, 2006). Organizou as coletâneasPoetas mineiros em Brasília (Varanda Edições, DF, 2002), Antologia do conto brasiliense (Projecto Editorial, DF, 2003) e Todas as gerações – conto brasiliense contemporâneo (LGE, Brasília, 2006).
O sol nas feridas
Ronaldo Cagiano
Selo Dobra Literatura
Formato 14 x 21 cm
152 páginas
ISBN 978-85-63550-35-4
2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Em 2012: "RASCUNHO DA SOLIDÃO DE ALZIRA"


                      livro de contos

terça-feira, 7 de junho de 2011

CATAGUASES ESTÁ DE LUTO: ADEUS, JOSÉ VANIR!

Vanir: Pássaro noturno
Eltânia André (*)
Lembro-me de ti, amigo,
descendo ladeiras, matadouros,
seguindo avenidas, enfrentando labirintos,
para encontrar o belvedere
próximo à bomba d’agua,
e ali edificar teus sonhos,
contabilizar teus segredos.

Por que não sorves mais uma colherada daquela sopa,
que agora esfria no fogão?
Tens pressa, amigo,
para seguir com o rio
que corre nos fundos do quintal?
Leva contigo as dores e a velha canção de amor!

Deixes o sangue que renovavas
à medida que alongava os passos,
liberta-te da carga tóxica:  avesso do rio.
Lembro-me do teu andar despido
e tuas mãos entrecruzadas nas costas,
enquanto vislumbravas pequenos tesouros
às margens dos paralelepípedos.

Teu assovio reverbera
onde não há mais palavras,
nesse lugar inominável chamado ausência.

Mas o amigo, deitado sobre o volumoso diário de su’alma,
seguiu o curso metafísico do adeus.

Tão enigmática era a leitura,
 nem mesmo a deusa Jose
penetrou o insondável de tua alma.

Enquanto avançavas
rumo ao desconhecido
 na extensa reta à sua frente
ao  teu lado galopava um menino,
para recolher-lhe o corpo.
Assim despido, leve, como a hóstia divina,
num impulso, alçou seu voo noturno.

Voa, pássaro noturno,
 Tens nas mãos o teu destino: ser ave de junho
nesse dia que nunca acaba.

Mas sei que enxugas as lágrimas de Jose,
Ela ficou sozinha no castelo,
ainda não lhe nasceram asas.

Lembro-me de ti, meu amigo,
daquele raro sorriso que davas
ao final do dia,
gargalhada austera contra os mistérios da morte.

Escuto seu assovio, enquanto
 todos nós, junto com Jose,
maldizemos a noite que
caiu sobre  teu corpo
como um feixe de punhais.

E na curva desse Lete
em que se transformaram tuas artérias,
 tudo agora é memória e saudade.

Amanhã também direi: lembro-me de ti, pássaro noturno,
Ave plural na imensidão do etéreo.