LIVRO

 
APAGUE A LUZ
(primeiro conto do livro - Meu Nome Agora é Jaque)
Eu não gosto de me envolver em questões de religião. Tenho minhas crenças, mas nunca fui dado a partidarismo religioso. Gosto mesmo é de viver minha vida da melhor maneira possível e assim é que eu vou levando os meus dias. Respeito a fé das outras pessoas, só não consigo aceitar certas negociações com o céu. É isso mesmo, eu sei que tem neguinho aí que apronta feio e banca de santinho. Só se for Santo do Pau-Oco!
Olha pra você ver se tem cabimento. Eu conheço sujeitos que quando estão pecando ou fazendo alguma sujeira dizem assim: “Jesus, apague a luz!” E quando estão fazendo caridade ou algo semelhante, o papo já é outro – “Cristo, olha pra isto!” E assim vão levando os seus dias de negociação. O representante de Deus, Jesus Cristo, deve ficar confuso e sem rumo, é um tal de: “Cristo, olha pra isto” e logo depois “Jesus, apague a luz”, ou vice-versa. Acho até que na maioria das vezes a luz fica é apagada mesmo. É que eles acham que Cristo no escuro não vai poder ver o que eles estão aprontando. Ingênuos!
Sou um homem correto e o que faço é às claras. Minha vida é um livro aberto, pelo menos para Deus. Porém, certa vez tive que lançar mão desse recurso. Não foi para meu benefício, não! Foi para ajudar um amigo, na verdade um sobrinho. Estava tranqüilamente em Pirapetinga, na casa da mãe Santinha, espiando os movimentos das pessoas que passavam na rua, quando percebi que o safado do meu sobrinho, Agostinho, estava de olho comprido em uma moça. É que ele é casado, e o pior é que sua mulher estava lá dentro de casa, dormindo. Ele me viu, veio se aproximando e foi logo confessando:
                 – Tizé, o senhor sabe como são essas coisas. Estava quieto e a moça ficou me provocando. Sabe, não sou de ferro, sou de carne e osso. E além do mais ela tem uma par de pernas de dar gosto. O senhor já reparou?
                – Menino, não sou homem de ficar espiando as coisas dos outros não, mas sabe como é... não mando nos meus sentidos. Olhei assim sem querer, vi de relance e parece que ela tem as pernocas ajeitadas, mesmo. Só que isso não é motivo para você ir adiante. Já está querendo pegar, isso é perigoso!
                Ele parecia que estava enfeitiçado e não quis me dar crédito. Agostinho continuou do ponto onde tinha parado.
                – Então, vou ficar com ela aqui por perto e o senhor me dá um sinal se a barra ficar preta.
Ele falou e apontou para um terreno baldio que ficava em frente da casa da mãe Santinha. Acho que ia fazer bobice atrás de uma pilha de tijolo que estava lá há um tempão. Achei meio estranho, já até ouvi falar de “moitel”, quando o casal vai pra trás da moita de capim, mas “tijolel”? Essa eu nunca tinha ouvido falar... Meu sobrinho é mesmo muito original!
Eu não tenho nada com a vida dos outros, mas eu prezo pela união da família. Somos de uma família tradicional em dois sentidos: primeiro porque não tem nenhum careca. Coisa rara! Fiquei sabendo que é porque temos descendência indígena. Falando nisso eu recordei um amigo calvo, na verdade quase careca de tudo. Acho que o cara que é desprovido de cabelo sofre muito. Especificamente esse amigo, que até defende uma tese, baseado no preconceito contra os carecas. Segundo ele, todo vilão de cinema é careca. Todo careca é ponto de referência. Quando alguém pergunta uma informação do tipo: onde fica a loja do fulano de tal? - a resposta é sempre algo assim. “Logo ali perto daquele careca que está passando”. Se o coitado do careca for gordo também, aí a coisa complica de vez. Careca e gordo é duplamente ponto de referência. A sorte é que na nossa família não tem careca. Gordo até que tem, mas tem como emagrecer, né! Agora, careca...
E a segunda coisa é que não tem nenhum casal divorciado, desquitado ou separado. Olha que a família é grande! Eu tenho tanto sobrinho que perdi a conta quando já somava cinqüenta e três. Depois disso já nasceram mais e têm os agregados também, namorados, namoradas e noivos. Diante dessa particularidade eu tentei falar com o “galinha” do meu sobrinho sobre os riscos que envolviam aquela aventura, mas ele estava decidido. Então, eu falei para ele:
– Se a operação secreta estiver correndo risco eu vou gritar: “Jesus, apague a luz” e você levanta de trás do murundu de tijolo e vem caminhando assim feito um inocente. Se for alarme falso, em seguida eu digo “Cristo, olha pra isto!”. Fechamos o negócio com essa combinação e ele voltou a investir no pecado. Daí a pouco os dois já estavam invisíveis no terreno baldio. Foram só eles se acomodarem que eu logo escutei a voz da dona onça. É que a mulher do traíra é uma fera! Aí comecei a pregação:
– Jesus, apague a luz!
O Agostinho apontou a cabeça por cima da proteção de tijolos e já ia sair quando percebi que a voz era de outra pessoa. Rapidamente corrigi:
– Cristo, olha pra isto!
A mãe Santinha estava sentada em sua cadeira na cozinha e gritou de lá:
– Filho, tô gostando de ver. Sempre te falei que você precisava encontrar uma religião. Qualquer uma desde que fale de coisas boas. Parabéns!
Eu só sacudi a cabeça. O que a gente faz para proteger um casamento!
Eu já estava cansado daquela função, nunca gostei de servir de moleque de recado. Então, resolvi sacanear o Agostinho. Comecei a intercalar, ora falava “Jesus, apague a luz” e depois que a careta dele aparecia por cima dos tijolos eu recitava a outra frase “Cristo, olha pra isto”. E assim ficamos por um tempo. Acho que ele já estava até cansado, e eu também. Afinal, ficar pregando assim em voz alta é uma merda!
Envolvido com essa brincadeira, nem percebi que a mulher do meu sobrinho tinha acordado. Quando vi, a moça já estava ao meu lado. Aí eu me desesperei. Você já pensou se eu fosse culpado pela primeira separação da família? Aí fiquei gritando, desesperadamente, feito pastor:
– Jesus, apague a luz... Jesus, apague a luz. O Judas saiu de trás do aparato e veio em nossa direção rindo para a esposa.
– Oi, amor! Dormiu bem?
 O cabelo dele estava todo revirado. Fiquei com medo de dar confusão, então eu resolvi cascar fora. Afinal eu mesmo não tinha pecado.
Antes de entrar dei meu último grito evangelizador:
– Amém